A tributação dos dividendos e o imposto de renda mínimo
- Osly da Silva Ferreira Neto

- há 9 horas
- 6 min de leitura

Em 27.11.2025 foi publicada a Lei n. 15.270/25 que instituiu o Imposto de Renda Mínimo para pessoas físicas, carinhosamente chamado de IRPFM.
Esse novo imposto resultará na tributação dos dividendos e outros rendimentos isentos para aqueles que tiverem renda anual superior a R$ 600.000,00.
Alíquota e base de cálculo
A alíquota será gradativa de 0 a 10%, para quem tiver rendimentos anuais entre R$ 600.000,00 e R$ 1.200.000,00, observando a seguinte fórmula:
Alíquota = (Rendimento / 60.000) – 10
Sobre rendimentos superiores a R$ 1.200.000,00, a alíquota será fixa em 10%.
Para saber se haverá a tributação pelo IRPFM, o contribuinte deverá somar todos os rendimentos recebidos no ano, inclusive os isentos e os já tributados de forma exclusiva ou definitiva, com exceção:
a) Dos dividendos relativos a resultados apurados até o ano de 2025, desde que a distribuição tenha sido aprovada até 31 de dezembro de 2025 e o pagamento ocorra até 2028;
b) Dos rendimentos da poupança e de títulos e valores mobiliários isentos (LCI, CRI, LCA, CRA, debêntures incentivadas, fundos de infraestrutura, imobiliários e outros);
c) Dos valores recebidos a título de alimentação, transporte, hospedagem, diárias, uniforme e previdência privada pagos por empregadores;
d) Dos seguros recebidos de entidades de previdência privada decorrentes de morte ou invalidez;
e) Dos ganhos de capital;
f) Da herança e doações em adiantamento de legítima;
g) Das indenizações por acidente de trabalho, por danos materiais e morais (com exceção de lucros cessantes);
h) Da parcela isenta da atividade rural;
i) Dos rendimentos recebidos acumuladamente e tributados exclusivamente na fonte.
A exclusão prevista no item a) cria uma corrida para apuração resultados e deliberação sobre a distribuição de lucros antes mesmo do encerramento do exercício de 2025 e tem o potencial de causar muitos conflitos administrativos e judiciais entre Fisco e contribuinte.
Retenção na fonte
A empresa que realizar o pagamento ou creditamento de dividendos em montante superior a R$ 50.000,00 dentro do mês deverá realizar a retenção na fonte da alíquota de 10%.
A lei não é clara se a retenção de 10% deve incidir: (i) sobre o valor total do montante que exceder R$ 50.000,00; ou (ii) sobre o valor total do pagamento.
Dessa forma, se a sociedade deliberar pelo pagamento de dividendos que totalizem R$ 55.000,00, pela interpretação prevista no item (i), teríamos a retenção de 10% sobre os R$ 5.000,00 excedentes, o que totalizaria uma tributação de R$ 500,00, ao passo que pela interpretação prevista no item (ii) teríamos uma retenção de 10% sobre o total de R$ 55.000,00, o que implicaria um tributo no valor de R$ 5.500,00.
Se a regulamentação da lei determinar a retenção sobre o valor total do pagamento e não sobre o total da parcela que efetivamente exceder R$ 50.000,00, teremos uma inconstitucionalidade clara, pois a base de cálculo não guardaria proporção com o fato gerador, o que seguramente será fundamento para ações judiciais buscando evitar a retenção nesses níveis desproporcionais.
Seguindo o exemplo anterior, vamos supor que a sociedade delibere pelo pagamento mensal de dividendos na proporção de R$ 55.000,00, totalizando R$ 660.000,00 no ano. Sob a interpretação da retenção sobre o valor total, teríamos ao longo de um ano a retenção da quantia de R$ 66.000,00.
Nesse cenário, a retenção da alíquota de 10% seria claramente desproporcional à alíquota do IRPFM prevista pela lei para o rendimento anual de R$ 660.000,00, que ficaria em 1%.
Sob essa interpretação, a lei estaria criando a sistemática de reter na fonte uma quantia desproporcionalmente maior do que a do tributo devido, obrigando o contribuinte a fazer um pedido de restituição:
| Valor | Alíquota |
Rendimentos | R$ 660.000,00 | 100% |
IRPFM retido na fonte | R$ 66.000,00 | 10% |
IRPFM devido | R$ 6.600,00 | 1% |
Valor a ser restituído | R$ 59.400,00 | 9% |
Caso o Fisco siga pelo caminho de adotar a interpretação mais severa sobre a retenção (sobre a totalidade do pagamento e não sobre o valor excedente), essa postura provocará potenciais conflitos administrativos e judiciais com os contribuintes.
Tributação mínima
É importante ter em vista que a lei promove uma tributação mínima e não uma tributação adicional, de modo que só haverá a cobrança do IRPFM quando o imposto de renda apurado no exercício for inferior à alíquota mínima do IRPFM.
Por exemplo, vamos considerar dois contribuintes que auferiram renda de R$ 750.000,00 no ano: um deles, José da Silva, em razão de salário (rendimento tributável) e o outro, Mario Moreira, em razão de dividendos distribuídos por sua empresa, ABC Comércio (rendimento isento).
A alíquota do IRPFM (imposto de renda mínimo) devido pelos contribuintes seria de 2,5%, conforme cálculo abaixo:
Alíquota = (Rendimento / 60.000) – 10
Alíquota = (750.000 / 60.000) – 10
Alíquota = 12,5 – 10
Alíquota = 2,5%
IRPFM = 750.000 × 2,5% = R$ 18.750
No caso de José da Silva, a tributação pelo imposto de renda tradicional seria de aproximadamente 27,5%, o que representaria R$ 206.250,00. Como esse valor seria superior aos R$ 18.750,00 da alíquota de 2,5% do IRPFM, José da Silva não precisaria o IRPFM.
No caso de Mario Moreira, os R$ 750.000,00 recebidos com natureza de dividendos seriam isentos de imposto de renda. Desse modo, ao final do exercício, Mario Moreira ficaria sujeito a alíquota mínima do IRPFM de 2,5%, devendo recolher R$ 18.750,00.
Impacto sobre holdings
O imposto de renda mínimo não terá impacto sobre empresas que detenham participação no capital social de outras sociedades, uma vez que tanto a tributação anual quanto a retenção mensal na fonte aplicam-se exclusivamente às pessoas físicas. Assim, os dividendos recebidos por pessoas jurídicas não se sujeitam a esse tributo.
Por outro lado, sempre que a holding distribuir lucros a seus sócios pessoas físicas, deverá reter o imposto na fonte sempre que o valor pago no mês exceder R$ 50.000,00. Esses sócios, por sua vez, precisarão considerar tais valores na apuração do IRPFM em sua declaração anual.
Como exemplo, vamos considerar a empresa ABC Comércio, que possui dois sócios, cada um com 50% do capital: um deles pessoa física, Mario Moreira, e o outro pessoa jurídica, XYZ Participações.
Caso sejam distribuídos lucros no montante de R$ 1.500.000,00, a sócia pessoa jurídica receberá R$ 750.000,00 sem incidência do IRPFM, enquanto o sócio pessoa física sofrerá a retenção de 10%.
É importante observar que quando a pessoa jurídica XYZ Participações distribuir lucros a seus sócios, deverá igualmente observar a retenção do IRPFM caso realize pagamentos mensais de dividendos superiores a R$ 50.000,00 e seus sócios também deverão verificar os limites de tributação mínima na apuração do IRPFM em sua declaração de ajuste anual.
Redutores do IRPFM
Para tentar evitar distorções tributárias muito graves, a legislação criou redutores para sociedades que possuem a tributação pelo imposto de renda na pessoa jurídica em proporções mais altas.
Haverá redutor do IRPFM sempre que a soma da alíquota efetiva sobre o lucro da pessoa jurídica com a alíquota de IRPFM do beneficiário ultrapassar 34% (para pessoas jurídicas não financeiras).
Vamos analisar a hipótese em que Mario Moreira tenha recebido R$ 750.000,00 a título de dividendos da sociedade ABC Comércio, que possui alíquota efetiva de 32% do IRPJ:
Alíquota do IRPFM | 2,5% | R$ 750.000 x 2,5% = R$ 18.750 |
Cálculo do redutor | (32% + 2,5%) - 34% = 0,5% | R$ 750.000 x 0,5% = R$ 3.750 |
IRPFM Final | 2,5% - 0,5% = 2% | R$ 750.000 x 2% = R$ 15.000 |
Para ter direito à redução, a lei exige que a pessoa jurídica demonstre a alíquota efetiva por meio de demonstrações financeiras de acordo com as normas contábeis e societárias. A alíquota efetiva e o imposto devido pela empresa poderão ser calculados com base nas demonstrações financeiras consolidadas, conforme dispuser regulamento a ser editado.
Assim, o acesso ao redutor depende da comprovação formal, pela fonte pagadora, de sua real carga tributária, podendo a Receita Federal utilizar esses dados para adiantar o preenchimento da declaração do contribuinte pessoa física.
Para as pessoas jurídicas não submetidas ao regime do lucro real, a lei permite a apuração da alíquota efetiva por meio de um “cálculo simplificado do lucro contábil”, que corresponderá à receita menos um rol específico de despesas: folha de salários e encargos, remuneração de administradores, custo das mercadorias vendidas, matérias-primas e embalagens, aluguéis necessários à operação (com IRRF recolhido quando exigido), juros de financiamentos indispensáveis e depreciação de equipamentos industriais.
A aplicação dos redutores apresenta uma complexidade conceitual grande e provavelmente ensejará muitos conflitos administrativos e judiciais nos próximos anos.
Considerações finais
A Lei n. 15.270/25, ao instituir o imposto de renda mínimo que atinge a distribuição de lucros e dividendos, cria uma alteração radical no sistema de tributação de renda das pessoas físicas e traz diversos desafios interpretativos que, para serem resolvidos de forma eficaz, dependerão de muito trabalho e sabedoria por parte do Fisco e dos contribuintes.
Osly da Silva Ferreira Neto
Doutor em Direito Tributário (PUC/SP). Mestre em Direito Processual (UFES). Professor da Pós Graduação do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET) e da Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Coordenador do Comitê Tributário do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (CESA/ES). Autor do livro "Ações tributárias coletivas" e de diversos artigos jurídicos.
João Victor Decoté
Mestre em Ciências Contábeis pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). MBA em Gestão Tributária (USP/Esalq). Autor do artigo "Incerteza econômica, agressividade tributária e eficiência operacional", eleito melhor trabalho da área de tributos da 23ª Congresso USP International Conference on Accounting. Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/ES, Subseção de Vila Velha.
Eduarda Gomes Caiado
Pós-graduação em Direito Tributário e Processo Tributário pela LEGALE em andamento. Bacharela em Direito pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Advogada aprovada no 41º Exame da Ordem Unificado (OAB/FGV).






Comentários